sábado, 31 de maio de 2008

Raphael Rabello, um gênio

Conheci o trabalho de Raphael Rabello no final dos anos 1980 e no início dos 1990. Sempre apreciei o trabalho dele, mas essa admiração ficou lá, num canto escondido da memória. Ocorreu que fiquei o domingo passado inteiro assistindo aos poucos vídeos disponíveis do Raphael no Youtube. O que vi deu para perceber o gênio musical desse vistoso instrumentista. É de lamentar como morreu tão cedo, acho que com 33 anos. Para quem não sabe, Raphael se envolveu num acidente de carro e precisou de transfusão de sangue, num tempo em que não se tinha controle de nada. Resultado: ele foi contaminado com o vírus da Aids e acabou falecendo aos 33 anos, em 1995, deixando inacabado um disco com a participação de grandes feras da música brasileira. Se o leitor se interessar, vai conseguir assistir a preciosidades, como o Raphael tocando com o já idoso Radamés Gnatalli, outro gênio, que foi maestro da Rádio Nacional, compositor e professor de piano do Tom Jobim e de muitos outros músicos consagrados. Por sinal, os dois foram muito ligados nos anos 80.
Não me limitei ao Raphael, e pude descobrir que ele é herdeiro de uma escola de violonistas e músicos, tais como Jacob do Bandolin, Pixinguinha, Laurindo de Almeida, Dino 7 Cordas, Canhoto da Paraíba, Dilermando Reis, e muitos outros que forjaram a maneira brasileira de tocar o violão e fazer música brasileira. Vale a pena conferir.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Imigração rima com solidão

Quando se vivencia a imigração por volta se experiencia um sentimento de solidão muito forte. Há uma série de estranhamentos, entre eles o da língua, cultura, sobretudo cultura. Muitas vezes me sinto como um intruso. Falava eu para a minha esposa a respeito da pressão que existe contra os imigrantes na Itália. A televisão repete esse mantra exaustivamente e a meu ver é uma das fontes responsáveis pela criação dessa atmosfera racista. Pois está para sair um pacote de segurança que promete resolver o problema da imigração ilegal a fórceps. O Berlusconi e sua equipe querem mandar pra fora do país aqueles que não tiverem permissão para ficar. Uma verdadeira caça às bruxas. Mal o Berlusca assumiu e os conflitos internos europeus já começaram. Semana passada a vice do primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, María Teresa Fernández de la Vega, disse que não seria permitida xenofobia na Europa. Causou um mal-estar diplomático.

Sindicalismo burocrata

A RAI 3, uma das que compõem o pool de emissoras da tevê pública italiana, é a melhor de todas. Tem uma programação bastante interessante. Ontem, num programa de entrevistas que geralmente faz um bate-bola com escritores, o autor da vez foi o jornalista Stefano Livandiotti, autor de uma obra sobre o sindicalismo da Itália. Os números apresentados por ele não deixam de ser um reflexo sobre a situação geral do país. Entrevistador e entrevistado falavam sobre a burocratização dos sindicatos, e a respeito de como deixaram de prestar serviços para a sociedade. Existem nada menos do que 700 mil delegados sindicais na Itália e, uma vez que entram na vida sindical a atividade vira uma profissão. Na contramão desses números impressionantes, que a rigor poderiam representar conquistas para os trabalhadores, a Itália é responsável por 25% dos acidentes de trabalho na Europa a cada ano. Nada menos do que o dobro da média da França e Inglaterra. Outra anomalia da vida do trabalho do país. Quarenta e nove por cento dos associados da CGL, a confederação dos trabalhadores, são aposentados.

sábado, 17 de maio de 2008

Morador de cidade grande

Sirolo, que antes de eu e minha esposa chegarmos tinha 3 mil habitantes - agora 3002 - é tão pequena que parece mais um bairro. Não tem um cineminha, mas tem teatro, por incrível que pareça. Aqui, todo mundo se conhece. Difícil se acostumar com um local "tão sem nada para fazer", tão provinciano. Ainda mais para um "rato" de cidade grande como eu. Ah, tem o bar e café do Grilo, que nas noites de sexta e sábado costuma ter boa música ao vivo, como blues, jazz, rock e até música brasileira. Também há um parque que parece uma mini-Redenção. É um belo parque, onde é possível sentar na grama nos dias quentes e ficar jogando conversa fora. A gente se adapta a essa vida tão pacata. Uma coisa que ganhei aqui foi o sossego que não tive nos últimos oito anos. Como não estou trabalhando ainda regularmente tenho muito tempo para não fazer nada, para ler, principalmente ler. Consegui chegar ao ponto final do Castelo na Floresta, do Norman Mailer, em duas semanas. Obra de 500 páginas escrita por um mestre. Por sinal eu recomendo. Antes dela li um diário do Garibaldi, dado pelo meu pai, o véio Menega, no meu último aniversário. Naquela época era difícil encontrar tempo para ler, tendo que me dedicar a dois empregos. Mas foi superbom que isso tenha acontecido, porque eu tive oportunidade de ler aqui na Itália, na terra do autor. Não apenas porque pude conhecer mais sobre a vida desse personagem mítico e sobre as suas andanças pelo Sul do Brasil, lutando ao lado dos republicanos gaúchos contra o poder imperial, mas porque percebi como os meus sofrimentos nos primeiros dois meses aqui foram pequenos diante do que ele passou. Me serviu como verdadeiro alento e terapia.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

San Marino: local fascinante, história idem

Para os viajantes que estão na Itália - ou um dia pretendem vir para cá - um local fascinante de se conhecer é a República de San Marino. Por sinal, a mais antiga da Europa. Fica na Região de Marche, e leva o regionalismo ao extremo. Explico. É que aqui cada cidade, por menor que seja, é chamada de paese. Isso porque existe um orgulho explícito de que cada lugarejo possui as suas tradições, história e dialeto, não importando se outro comune está a 2 km de distância. Pois San Marino tem ainda casa da moeda, banco nacional, exército, time de futebol e selos. San Marino teria sido fundada por são Marino, monge e pedreiro do século IV, que teria fugido da perseguição religiosa do imperador Diocleciano. As fortificações que originaram a república san-marinense ficam no alto do monte Titano, e as fronteiras do país estão separadas por 12 km de terra no ponto mais largo. É preciso pegar um teleférico para chegar à capital, Borgomaggiore, localizada na base do monte Titano. Do alto é possível enxergar um magnífico vale. Apenas 10% do território italiano, por sinal, é plano. Não é à toa que estou ficando com as panturrilhas musculosas. O restante é pontilhado por colinas, montanhas, morros, e San Marino não é diferente. Borgomaggiore possui dois castelos e vive basicamente do turismo, apinhada de barracas e lojas que vendem souveniers, jóias, perfumes, bolsas, roupas. Há também dezenas de restaurantes. Os preços são relativamente econômicos tendo em vista o padrão italiano, pois gozam de isenção fiscal. Com 10 euros é possível conhecer os castelos e ainda visitar um museu de armas medievais. Os castelos têm a aparência rude da arquitetura medieval, mas são fortalezas que oferecem visão de 360º de todo o território, e nos tempos de guerra preveniam os habitantes dos perigos.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Dificuldades para trabalhar na Itália

Caminhar umas seis horas por dia distribuindo publicidade e ganhando por isso 30 euros não foi exatamente o que eu imaginei fazer de trabalho na Itália. Fiz esse trampo sábado passado, mas foi por apenas um dia. Observo como me iludi pensando que meus contatos ou dotes profissionais poderiam ser aproveitados e relativamente bem-remunerados. Obviamente que o domínio que eu tenho do idioma ainda é básico, mas esperava ter maior facilidade para me inserir no mercado de trabalho em vagas um pouco melhores. Alguns sites publicam, principalmente aqueles ligados à indústria da cidadania, que depois que você consegue se tornar um italiano a coisa melhora. Não é bem assim. A maioria dos ítalo-brasileiros que conheci atuam como faxineiros, badantes, garçons, carregadores, distribuidores de publicidade e por aí vai. Pelo que estou sentindo, a Itália não é um país que dá oportunidade a profissionais estrangeiros qualificados, a não ser quem sejam extremamente indispensáveis em áreas estratégicas para o país. Pelo pouco que tive oportunidade de testemunhar, nem mesmo àqueles que possuem dupla cidadania. A bem da verdade é que nem os jovens italianos que estudaram estão tendo oportunidades em suas áreas. A chaga do trabalho precário, que tornou incerto o futuro da reduzida juventude italiana, não permite que as pessoas em início de carreira possam fazer planos. Essa lei, que inspirou um livro e um filme que retratam o destino errante dos ragazzi, foi criada durante o Governo Berlusconi do início da década atual, e tem como preceito permitir que os empresários demitam e contratem os funcionários por tanto tempo quiserem, pagando menos impostos. Um italiano me contou que ficou por quase um ano desta forma. O que esperar desse terceiro mandato do Berlusconi? Boa coisa não virá.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Globalização difícil

Fazemos aqui um curso de italiano em que temos como colegas pessoas da Índia, Marrocos, Vietnã, Tailândia e, principalmente, do Leste Europeu. Viemos encontrar até uma nordestina de Alagoas. É uma senhora falante e simpática, que como nós sente falta dos brasileiros. Aqui ela faz o trabalho de badante, que é como chamam a profissão de cuidar dos velhinhos – que geralmente é exercida pelas damas do Leste Europeu. Embora no início do curso eu tenha dito que estivesse aberto a travar amizades com pessoas de outras nacionalidades, na verdade esse tipo de enlace não é tarefa das mais simples. Aos poucos, vamos percebendo que os códigos são inteiramente diferentes, e mesmo que nos esforcemos fica difícil ir além de palavras amigáveis e pra lá de triviais, tendo em vista ainda a limitação do idioma de parte a parte.
Vez ou outra dá um quebra-pau entre os albaneses, que fazem jus ao nome da capital do país, Tirana. Por nada, de repente, começam a bater boca. Outra coisa que me chamou bastante a atenção é que o mito de que o mundo está interligado e globalizado não passa de um mito. Numa ocasião, quando fomos exortados a falar de pessoas que achávamos fascinantes cada um foi dizendo a sua. A professora não se fez de rogada e falou do George Cloney. Para surpresa da maioria, uma das colegas albanesas não sabia quem era o sujeito. Isso que ele tem casa aqui na Itália.
Outro dia a colega indiana falou do seu casamento, e do controle absoluto que os pais exercem sobre as escolhas dos maridos. Nem pensar que o candidato seja alguém que desagrade aos genitores. Outro fato é que uma mulher não pode em absoluto morar sozinha, sem a família ou um marido. Em boa parte da Índia, nem palidamente o movimento feminista conseguiu emancipar a mulher desse controle rígido.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Aqui, indústria da segurança não tem vez

Grades, cercas elétricas, cachorros bravos são coisas desconhecidas em cidades pequenas da Itália. Para quem passou parte da vida olhando para os lados numa noite escura, temendo pela saúde, toma um choque. Onde vivo, Sirolo - que é um comune de 3 mil habitantes à beira do Mar Adriático, agora 3002, contando eu e a minha esposa Fernanda - o dono da casa que eu alugo deixa a chave na porta durante o dia. Muros altos praticamente inexistem e a indústria da segurança, que fatura bilhões no Brasil, aqui não floresce. O Léo, um vira-lata ancião e de porte médio é o único dispositivo que o seu Piero utiliza para manter os visitantes indesejáveis à distância. Vez ou outra um “extra-comunitário” passa aqui na frentre, mas o Léo trata bravamente de latir e esbravejar e, segundo os seus donos acreditam, botar o suposto ladrão para correr.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Compras na Itália, haja paciência

Quem está acostumado com os supermercados brasileiros 24 horas abertos, se decepcionará ao fazer compras em algumas cidades da Itália. Aqui, tanto o varejo como o comércio abrem às 8h30min, fecham às 12h30min, reabrem às 16h30min e finalmente cerram as portas às 20h30min. E não é só porque eu vivo numa cidadezinha pequena. Algumas das maiores também funcionam assim. Isso é um verdadeiro pé no saco – que o leitor me perdoe. Imagine que você vá à cidade grande para procurar emprego e pretende ficar o dia inteiro envolvido nessa tarefa. Pois terá que mudar os planos ou se adaptar a esse horário maluco. Almoce e vá tomar um sol na praça e se estiver frio procure algum raro café que não fecha durante a tarde. Ir ao supermercado no domingo, nem pensar. Outro mal crônico daqui é a falta de vendedores nas lojas. Você sempre sai do estabelecimento com a sensação de que o comerciante deveria contratar mais gente. Ah, e não espere um “boa tarde, posso ajudar?”, ou “boa tarde, o que deseja?”. Essas “sofisticadas” técnicas de vendas ainda não são dominadas por aqui. Você sai do local com a sensação de que prestou um favor para o vendedor. Haja paciência...

sábado, 3 de maio de 2008

Conversa nas nuvens

Esses dias precisei viajar para a Alemanha e conheci uma quarentona italiana, minha vizinha de banco. Paola, que mora uma cidadezinha próxima a Bologna e é farmacêutica, namora um alemão. Lá pelas tantas eu perguntei sobre os planos que o casal fazia para o futuro. O que mais me impressionou foi a veemência com que disse que não mudaria de forma alguma para a Alemanha. "Sou muito apegada aos meus pais, amigos, cidade", comentou. O namorado, por sua vez, também não trocaria de vida e de país. Uma barreira intransponível para ela é o idioma. "Não sou boa para aprender novas línguas." Engraçado que não foi o primeiro italiano a me dizer isso. Ao mesmo tempo, ela não escondeu o sofrimento ao demonstrar a impossibilidade de consumar essa vida a dois, sob um mesmo teto. "Não sei o que acontecerá", falou, lamentosa. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que certos italianos criam uma ligação de dependência tão poderosa com os seus parentes e com o seu universo que são incapazes de cortar o cordão umbilical. Afastado dessa conversa por um certo tempo, penso com os meus botões que essa retranca diante da mudança não é monopólio deles, pois chineses, brasileiros, russos e tantos outros podem ter esse caráter. Mas não deixo de pensar novamente sobre a opinião de Paola a respeito de seu país. Segundo ela, o envelhecimento populacional e o prolongamento da atividade desses vovozinhos no mundo do trabalho, da política, da cultura, impede que o país seja flexível diante dos desafios da atualidade. Sessenta por cento dos italianos têm acima de 60 anos. Vendo, ouvindo e sentindo na pele a situação econômica do pais, é possível afirmar que não houve preparação para enfrentar os desafios do século XXI, entre eles a malfadada globalização, o efeito da concorrência da China e a imigração dos países do Leste Europeu, África e do Mundo Árabe. Como a velha Itália sairá da sinuca-de-bico em que se colocou? Paola se disse incapaz de responder a essa pergunta e eu, neófito que sou em assuntos italianos, deixo a pergunta no ar.